terça-feira, 15 de junho de 2010

Pop Cult 6, por Felipe Hirsch, n'O Globo


Existem inúmeros exemplos de discos conceituais sobre o fim de relacionamentos amorosos. Obras confessionais sobre rompimento, perdas, compostas em períodos sombrios, logo após ou durante uma separação. Estes exemplos são os meus preferidos:

Frank Sinatra – In The Wee Small Hours 1955 – A voz de Sinatra nunca foi tão melancólica, solitária e desolada. Reflexo de sua relação angustiante com Ava Gardner. Moon Indigo de Duke Ellington, What Is This Thing Called Love? de Cole Porter e principalmente, I Get Along Without You Very Well do gênio de Hoagy Carmichael, são trechos dessa história de amor contada faixa a faixa. Só lembro de um Sinatra mais triste: em September of my Years, seu album conceitual sobre a velhice e sobre seu relacionamento com a jovem Mia Farrow.

Lee Hazlewood – Requiem For An Almost Lady 1971 – Uma poderosa voz nos conduz pelos caminhos de sua relação agonizante. Dez faixas curtas, com introduções faladas, compõem esse disco cheio de ironia e desconfiança na relação com o amor. Minha preferida é a de abertura: I`m Glad I Never (Be Glad I Never Owned A Gun). Uma meditação sofisticada, e repleta de humor negro, sobre a ternura perdida.

Paulinho da Viola – Nervos de Aço 1973 – A primeira separação levou o compositor a se expor corajosamente nesse disco. Da faixa título de Lupicínio Rodrigues ao Choro Negro no final sombrio, de Não Quero Mais Amar A Ninguém a inacreditávelmente bela Comprimido, tudo nesse disco confessa a dor. “O meu primeiro amor morreu, como a flor ainda em botão …”

John Lennon – Walls And Bridges 1974 – Criado durante o período de sua vida conhecido como “Lost Weekend”: Uma mistura de exílio dopado e festa sem fim, em Los Angeles, durante um tempo de separação de Yoko Ono. Um disco desigual, surreal, revelando o momento extremo que passava. A voz de Lennon em #9 Dream é inesquecível. Nobody Loves You When You`re Down And Out continua sendo uma das músicas mais tristes que conheço.

Bob Dylan – Blood On The Tracks 1975 – Concordo com quem diz que Bob Dylan lançou obras mais importantes, mas nunca melhores do que esse disco. É o meu escolhido. A capa, o título, a composição mais perfeita de um disco de amor. Ou melhor, sobre o final dele. Arrependimentos, pedidos de perdão e acusações. Um documento confessional emocionante. Gravou o disco duas vezes. Um primeiro mais melancólico e amador. Um outro mais agressivo  e profissional. Esse último é o oficial. Procure também Blood On The Tracks Bootlegs. Ou ouça as três faixas da primeira gravação, lançadas oficialmente, na Bootleg Series 1-3. É interessante saber que, apesar de ser reconhecido como o disco da separação de seu casamento com Sara, Bob Dylan afirma, em suas Crônicas Volume 1, ter se inspirado nos contos de Tchecov para criar as canções. 

Marvin Gaye – Here, My Dear 1978 – Os sons do divórcio gravados. A separação de Anna Gordy Gaye rendeu a Marvin esse disco único em sua carreira. Espécie de diário longo da ruína de uma relação, o disco contava a infelicidade e o inconformismo do seu criador. Na sua capa, vítima de um julgamento, Marvin Gaye entregava sua música em troca de jóias e futilidades. O incrível cantor nunca pareceu tão frágil e falível, mas ouvi-lo assim, embora melancólico, é um testemunho comovente.

Caetano Veloso – Caetano 1987 – O “disco da praia”. O disco triste de Caetano. A morte do pai e a confirmação do fim de seu primeiro casamento se refletem na voz e no tempo do artista. Na primeira frase, uma confissão: “Estou no fundo do poço”. A partir daí, José, Noite de Hotel, Canto do Bola de Neve, O Ciúme e a sensível regravação de Fera Ferida nos conduzem pelo mar azul de sua tristeza. Produção crua e conceitual de Caetano e Guto Graça Mello. Capa linda de Luiz Zerbini e Flavio Colker.

Bruce Springsteen – Tunnel Of Love 1987 – Um disco intimista, pessoal e romântico, na contramão do poderoso sucesso de Born In The U.S.A. Autobiográfico, Bruce relata abertamente a história do último ano de seu casamento. Na mais linda canção do disco ele nos diz: “A mesma velha história, um passo pra frente e dois para trás, é a mesma coisa noite após noite, quem está errado, quem está certo, uma outra briga e eu bato a porta, uma outra batalha na nossa pequena guerra, quando eu olho pra mim eu não vejo o homem que eu queria ser, em algum lugar do caminho eu me perdi, andando um passo pra frente e dois para trás.”

Recentemente, tantos outros poderiam ser citados: O belo Sea Change do Beck; For Emma Forever Ago de Bon Iver e mesmo Back  To Black da Amy Winehouse. A discografia da separação é longa e generosa.

Sempre lembramos do nosso primeiro amor de uma maneira doce. Mesmo que ele tenha acabado. Não é uma coisa triste. Não é uma má lembrança. É claro que seria melhor homenagear o dia dos namorados listando discos conceituais sobre o início do amor. Mas são tantos! Estes acima são sobre as perdas. Mas como disse Paulo José, em Insolação: o amor não foi feito para sermos felizes e sim para nos sentirmos vivos.

sábado, 5 de junho de 2010

Pop Cult 4, por Felipe Hirsch, n'O Globo

Um dia desses, meu telefone toca desesperado. É a voz comovida do meu amigo Guto.

- Robbb…confirm…vem…lip…ati!!
- O que, cara??
E tomando fôlego, de uma vez só
- ROBERT CRUMB VEM PRA FLIP EM PARATI!!
Passamos o final da década de 80 e o início  dos anos 90, eu e boa parte dos meus amigos, frequentando um prédio abandonado, moradia do Guto, no centro  de Curitiba. Apenas um apartamento tinha água e eletricidade. Lá dentro, um rodízio, 24 horas, de jovens em busca de informações perdidas. Cultura em geral: rock, quadrinhos, literatura, filmes, seriados, games e por que não? drogas. Nesse lugar, ouvi pela primeira vez o vinil de Doolittle do Pixies. Líamos Leminski, Fante, Kafka, ouvíamos Bowie,  assistíamos Billy Wilder. Entre pratos sujos e pontas de cigarro, repousava a valiosa coleção de quadrinhos do meu amigo. Líamos Robert Crumb muito. Líamos muito Will Eisner.
O perigoso senhor Crumb, que aterrorizará nossa pequena cidade colonial, é filho de um pai fuzileiro naval repressor e de uma mãe católica, maníaca depressiva, viciada em pílulas para emagrecer e anfetaminas. Robert cresceu sob a influência e amizade de seu irmão mais velho Charles, que o introduziu ao mundo dos quadrinhos. Charles cumpriu um destino trágico. Ainda menino se apaixonou, perdidamente, pelo ator mirim Bobby Driscoll que interpretava o personagem Jim Hawkins em A Ilha do Tesouro. A partir daí, desenvolveu uma obsessão pela história, reproduzida, incansavelmente, em seus desenhos e brincadeiras infantis. Adolescente, Charles Crumb foi vítima de violentos atos de bullying na escola e caiu numa profunda depressão que o deixou, pelo resto da vida, recluso na casa de sua mãe, vivendo a base de doses cavalares de antidepressivos. Passou os últimos anos de sua vida relendo, compulsivamente, livros da era Vitoriana e preenchendo, obsessivamente, milhares de folhas com desenhos repetitivos. Charles, a maior influência da vida do irmão Robert Crumb, acabou se suicidando em 1992. Seu irmão mais novo, Maxon, vive em um pequeno quarto de hotel, pintando obras sádicas, meditando numa cama de pregos e bolinando meninas chinesas na entrada do metrôOptou pelo celibato, o que, ele acredita, o levou a epilepsia. Mensalmente engole uma longa fita de tecido que, no trajeto entre sua boca e ânus, limpa seu intestino. Boa parte do relato acima, você poderá ver, em detalhes, no incrível documentário Crumb de Terry Zwigoff (aquele que dirigiu Ghost World).
Robert saiu de casa antes de completar vinte anos. Trabalhou, em Cleveland, como ilustrador para uma grande corporação de cartões de felicitações. Seu chefe definia seus desenhos como grotescos e o treinou para desenhar de maneira fofa. Crumb, mais tarde, confessou sua atração sexual por personagens adoráveis e felpudos, citando Pernalonga, como o mais desejável. Reconhecido masturbador, Crumb desenhou a coleção completa de portraits das meninas que cobiçou no ginásio. Em todas, traços sinuosos insinuam suas intenções. Eu ouvi toda essa baboseira de ser “você mesmo”. Mas quando eu era “eu mesmo”, as pessoas me detestavam. Fracassei tentando ser um garoto normal. Então passei a frequentar o lado negro da cidade, em busca de velhos discos 78 rotações.
Em São Francisco, nos anos 60, Crumb se mistura à cena da contracultura de Haight-Ashbury. Seu envolvimento com o LSD traz uma característica de fluxo de consciência para seus personagens. Não que ele se sentisse à vontade com o movimento flower power, pelo contrario, confessou ter dormido em pé durante um show do Grateful Dead. Patinho feio dessa geração, Crumb sempre se vestiu com seus poídos ternos tradicionais, ouviu viciadamente seus inúmeros vinis dos anos 20 e 30 e ilustrou uma coleção de portraits de  pioneiros do folk, jazz e blues americano.
Vendendo as primeiras edições da Zap Comix (revista seminal de quadrinhos independentes), no carrinho de bebê do seu primeiro filho, Robert Crumb cresceu e ganhou uma projeção enorme no circuito cultural alternativo do país. Criou, nessa época, alguns de seus mais ilustres personagens: Mr. Natural, Keep on Truckin, Devil Girl. Foi convidado para ilustrar a Rolling Stone, criou a capa de Cheap Thrills para Janis Joplin, influenciou o renascimento criativo de Will Eisner, redefiniu o termo underground comix. Ainda assim, passava seus dias sozinho, em um café, desenhando os transeuntes e ignorando a fama. Dana Crumb, sua primeira esposa, autorizou o uso da personagem Fritz, The Cat em um longa metragem. Deprimido com o resultado, Robert desenha a morte do personagem que ele tinha criado na adolescência. O gato morre assassinado por uma ex-namorada com um fura-gelo.
Acusado por feministas de produzir pura pornografia sexista, misógina e, por vezes, pedófila e incestuosa, Crumb foi exaltado por grandes críticos de arte que salientavam sua crítica social obstinada e a qualidade soberba e clássica de sua arte gráfica comparada, no seu senso da monstruosidade,  a obra de Goya e Brueghel. Só o impacto do personagem autobiográfico de Crumb, perdido e entregue ao desejo, ao sofrimento intelectual, foi capaz de nos revelar o horror do subconsciente Americano.

Sophie, nasce no início dos anos 80. Filha de Crumb e Aline Kominsky, atual esposa e personagem constante de sua obra. Nos anos 90, Robert e Aline, desiludidos com os valores da America, decidem trocar uma mala cheia de originais por uma casa na pacata cidade de Sauve, sul da França. Com exceção de raras viagens ao seu país, Crumb é um recluso que passou os últimos anos ilustrando o Livro do Gênesis. Este lançamento é o motivo de sua inacreditável visita ao Brasil. 
- ROBERT CRUMB VEM PRA FLIP EM PARATI?? 

No dia 7 de agosto se reunirão, na mesma mesa, Robert Crumb e Gilbert Shelton, criador dos Freak Brothers. Será a penúltima mesa do dia. A última está reservada para o Rei de Nova Iorque, Lou Reed.

Na chuva de galochas!

Ontem percebi que eu gosto de andar na chuva com minhas galochas e um bom guarda-chuva! Saí de casa e peguei um biarticulado até o Mueller para resolver um problema sério que aconteceu com meu iPhone. Resolvido, claro. Mas já na rua e Carol com visitas em casa, resolvi encarar o Robin Hood do Russel Crowe e Cate Blanchet. Bem legal.

Na volta a mesma sensação de liberdade caminhando pelas ruas com prazer agarrado no meu guarda-chuva e protegido com minhas galochas. As lembranças dentro do vermelhão me levaram para Londres dos anos 90 quando por ali vivi durante um bom tempo.

Caminhar em Londres é fato assim como os lindos dias cinzentos e chuvosos nessa terra tão querida e que me causou saudade pelo trajeto Centro - Santa Cândida. E para marcar ainda mais essa memória tão afetiva um rapaz ao meu lado seguia firme e forte com seus Dr. Marteens - http://www.drmartens.com/ - preto que mantinha seus pés secos.

Caminhar absorto em seus pensamentos e memórias é um momento de felicidade e inspiração. Lembrar de uma vida que já passou é ponte para um futuro que chega.

É isso!