sexta-feira, 30 de julho de 2010

Dilema

Sujeito no ônibus se vê diante de um dilema. Recém separado e com dores no peito de tanto amor, ao seu lado senta uma mulher com telefone ao pé do ouvido e falando baixo: "Sequer deveríamos ter começado esse erro. Hoje, sua presença me enoja. Leve as roupas e me deixa com a máquina de lavar".

Dilema: não sabia se batia em si mesmo ou se esmurrava o vidro da janela ao lado.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

meu medo, de Murilo Hauser





Amanhã, dia 29/07, às 20h, na Cinemateca, tem o lançamento do filme "meu medo", curta de Murilo Hauser e produção de Henrique Martins e Frederico Machuca, rodado em 35".

Bem, falar do Murilo e do Henrique é fácil: os caras são geniais. Só isso. Então, assistir qualquer coisa deles é assistir a algo simplesmente genial!


Quer conhecer mais um pouco é só acessar o link http://www.meumedo.com

Facebook, por que não?

Tenho usado bastante a ferramenta Facebook para me comunicar com os amigos. Blog é um lance bacana também que te permite escrever à vontade sem se preocupar com os 420 caracteres necessários no mural do Face.

Sempre quis escrever o dia a dia da minha vida, as coisas legais, claro, mas acontece que dá uma preguiça danada quando não se tem uma metodologia, uma disciplina mesmo. Mas eu tento. E seguirei tentando.

Hoje em dia se fala sobre tudo em tudo quanto é blog. Li que existe um espaço - um não, vários - para se falar sobre a onda dos esmaltes. Sim, os esmaltes. E que graças a Chanel quando lançou um esmalte de cor verde a onda cresceu. Há especialistas, normalmente garotas de vinte e bem poucos anos, que tem parceria com grandes empresas de cosmético dando dicas sobre essa tinta que se passa nas unhas e que já é usada há mais de 4 mil e tantos anos. Que tal?

Procurarei falar mais sobre esse dia a dia nesta cidade que, por exemplo, pela manhã um frio modorrento e agora, neste exato momento, um sol de verão. Coisas acontecem. Sempre. Tá, ok, com maior ou menos intensidade, mas elas acontecem.

Sempre que escrevo tem uma pessoa que não sai da minha mente buzinando sobre o nada que se instaura, muitas vezes, na capital das araucárias. O Felipe Hirsch, amigo e ídolo, está sempre ao meu lado com aquele olhar maroto e balançando a cabeça e dizendo "quanta ingenuidade!". Mesmo com Felipe na cola, vou escrever. Aliás, isso é bom porque me inspira e me força a analisar sem ufanismos.

Pop Cult 11, por Felipe Hirsch, n'O Globo


Os olhos tristes e sombrios de Rufus Wainwright, borrados de maquiagem negra, ilustram a capa de All Days Are Nights - Songs For Lulu. O mais recente lançamento do artista canadense é uma coletânea de músicas dedicadas à personagem principal das obras O Espírito da Terra e A Caixa de Pandora do dramaturgo alemão Frank Wedekind. Adaptada mais de uma dezena de vezes para as telas de cinema, entre elas na versão clássica de Georg Wilhelm Pabst com Louise Brooks, a complexa obra sobre o instinto selvagem de Lulu também foi usada na ópera póstuma do compositor Alban Berg, e até como fonte de inspiração para uma série de videogames.

Aqui, no universo de Rufus Wainwright, Lulu é a interlocutora do compositor. Esse endereçamento demonstra também o estado de espírito de Rufus durante a realização do disco. A morte por câncer de sua mãe, a cantora de música folk Kate McGarrigle, inspirou um album melancólico e nebuloso, gravado em piano e voz, como se o coração do artista tivesse sido extraído, arrancado como o de Lulu, por Jack, o Estripador, no último ato da obra. Rufus disse que "Lulu é a soturna e nociva mulher que vive dentro de todos nós, como a Dark Lady, personagem dos sonetos de Shakespeare". 

O disco é uma coletânea das diversas obras conceituais realizadas por Rufus nos últimos anos: os citados sonetos de Shakespeare musicados para uma peça do Berliner Ensemble, dirigida por Bob Wilson, no Theater am Schiffbauerdamm. Uma ária de sua primeira ópera, Prima Donna, sobre o amor de uma velha cantora lírica e um jornalista; e algumas canções populares, compostas durante a tour em companhia de sua irmã Martha e de sua mãe. Entre estas, a bela "The Dream", "True Love", "Sad with What I Have" (que cita o Barba Azul de Perrault e Bartok), "Martha" (um recado deixado pelo irmão mais velho), e "Zebulon" que encerra o disco com referências sobre o estado de saúde de sua mãe, Kate. "Give Me What I Want and Give It to Me Now!" é uma réplica às críticas maldosas recebidas por seu tortuoso trabalho em Prima Donna. Numa das mais violentas, um famoso crítico de música erudita afirmava: "não basta se vestir como Giuseppe Verdi, Sr. Wainwright". No trecho (Les feux d`artifice t`appellent) da ária de sua ópera, gravado para o disco, Rufus bate no piano e dedilha suas cordas, simulando sons de fogos de artifício. Tive a sorte de presenciar a produção de "Shakespeares Sonette" no Berliner Ensemble, e também a estréia da ópera Prima Donna, esta m em Manchester. Nos dois trabalhos, o brillhante talento de Rufus se destacava. No primeiro, percebi a consciência e referências à tradição musical (Dessau, Eisler e Weill) da companhia Brechtiana. No último, umatour de force lírica e vigorosa resistia a uma encenação ingênua e duvidosa.

A questão mais interessante acerca da obra de Rufus Wainwright foi levantada por Elton John. Ele disse: "Se nós não estivermos preparados para ouvir as músicas de Rufus Wainwright, estamos com sérios problemas". Disse isso, porque temia que a obra de Rufus fosse recusada pelos meios da música popular e confinada a guetos de minorias intelectuais. É fato, Rufus Wainwright vende muito pouco. Nos últimos anos vem se dedicando, cada vez mais, a projetos conceituais. Entre eles a recriação, na íntegra, do famoso show de Judy Garland no Carnegie Hall em 1961. Em recente entrevista, Rufus Wainwright, confortável com a sua posição, disse que sua missão era salvar os jovens de Lady Gaga.

Me apaixonei por Rufus na chuva. No Central Park, no show Release the Stars, com guarda-chuvas batendo nos meus olhos. Desde o início do show, a impressão era tão comovente que o público esperou pela segunda parte, durante um intervalo programado de 15 minutos, parado em pé sob a tempestade. A sua voz, inesquecível, cantava algumas frases sobre um passeio pelo Tiergarten de Berlim, dizendo "não importa se está chovendo", enquanto o público encharcado aplaudia concordando. Naquele momento, Rufus já era o novo gênio da história musical da cidade. Um virtuoso enfant terrible que gravou o promissor primeiro disco com arranjos de cordas do mestre Van Dyke Parks. Aos 14 anos, Rufus foi abusado sexualmente no Hyde Park de Londres por um homem conhecido em um Pub. Optou por uma vida celibatária por quase uma década depois da experiência, o que, segundo o próprio, o levou a uma vida promíscua em seguida. Durante o período de gravação de seu segundo e mais vendido disco, Poses, Rufus morava no clássico Chelsea Hotel e dedicava-se a uma intensa vida boêmia, regada a Crystal Meth. Sua dependência atingiu o clímax quando, durante "a semana mais surreal" de sua vida, Rufus ficou cego, temporariamente. Reabilitado, gravou em uma extensa sessão, com a complexa e brilhante produção de Marius de Vries, as duas partes de All I Want. Sua obra-prima.

Desde então, daquele dia no parque molhado, venho cantarolando os versos de 14th st., música de encerramento do show. Há 4 anos. Aquela parte " (...) don`t ever change, don`t ever worry..."

No início dos anos 90, o jovem Rufus, caminhava pelas ruas nevadas de Manhattan, até a St. Mark`s Place, no lado leste do Village, para assistir outro jovem talento, por quem Rufus tinha uma relação platônica de paixão e ódio. Esse outro garoto chamava Jeff Buckley.

Pop Cult 10, por Felipe Hirsch, n'O Globo

POP CULT 10

A primeira vez que eu me lembro de estar dentro de um cinema foi no Rio de Janeiro, com seis anos, talvez, assistindo Meu Tio (Mon Oncle) de Jacques Tati. Uma experiência constantemente revisitada na minha memória. Voluntáriamente, lembro-me da madeira dos braços da cadeira onde sentei, um pouco à direita e a frente do cinema. Lembro da cópia também, um pouco azulada e cinza. Estar ali, levado pela mão de minha mãe, percebendo o assimilável àquele estágio de minha vida mas, ainda assim, sendo conquistado para sempre é, definitivamente, uma das histórias mais importantes da minha vida.

Você pode imaginar a minha excitação infantil quando ao caminhar entre o 10˚ e o 12˚ arrondissement de Paris, ao longo do Canal de Saint-Martin, vindo de uma outra visita cinematográfica ao bar do Hôtel Du Nord, cheguei na cinemateca francesa e entrei na exposição Deux Temps Trois Mouvements sobre a obra de Jacques Tati: Cenários, objetos usados pelo personagem Monsieur Hulot, impressões visuais e sonoras de seus filmes, desenhos originais de Pierre Etaix, instalações inspiradas em suas obras, entrevistas com personalidades influenciadas pelo cinema de Tati, como Michel Gondry, David Lynch, Wes Anderson, Jean-Claude Carriere entre outros. Lá estavam expostos o peixe-chafariz do jardim da casa da família Arpel de Mon Oncle, a bicicleta!, o célebre cachimbo, o guarda chuva e o sobretudo de Sr. Hulot, a raquete de tênis de suas férias, partes dos cenários e dos objetos construídos para o filme Playtime batizados "Tativille": os chapéus decorados, o painel de controle e interfone, a poltrona sonora, o sinal de neon da entrada do restaurante.

Ainda nessa exposição consegui minha cópia de "Tati Sonorama!": uma completa coleção das trilhas sonoras dos filmes de Jacques Tati. Existem outras três edições, mas nenhuma completa e remasterizada a partir das fitas originais. A edição limitada de Sonorama! ainda contém uma seleção dos clássicos efeitos sonoros de seus filmes (trânsito, cães latindo, crianças brincando, aeroportos, repartições) e um encarte cuidadosamente compilado, repleto de informações sobre os fabulosos criadores dessas trilhas. Textos sobre Francis Lemarque (criador da brilhante trilha do filme Playtime) e do polonês Alain Romans (Mon Oncle e Les Vacances de Monsieur Hulot), parceiro de Django Reinhardt e Josephine Baker.

Os filmes de Jacques Tati são frutos de uma profunda análise das questões do mundo moderno ocidental. A indústria, a arquitetura, o design, a moda, a tecnologia, a superficialidade das relações sociais; nada fugiu da observação cômica do mestre francês. Jacques Tatischeff era filho de pai Russo. Ganhou certa notoriedade trabalhando como clown em cabarés de Paris no final da década de 30 e durante a guerra. Seu primeiro filme Jour de Fête ainda não apresentava o seu mais famoso personagem. A partir de Les Vacances de Monsieur Hulot (As Férias do Sr. Hulot), filme de 1953, Tati edificou uma história clássica construída com um repertório de poucos filmes. Nestes filmes, poucos diálogos e muitas gags visuais e sonoras, elaboradas com muito virtuosismo e emoção.

Tati gastou quase uma década para filmar, em 70mm, o seu projeto mais ambicioso: Playtime. Gastou também suas economias e boa parte de sua saúde. Truffaut definiu Playtime como um filme de outro planeta. O fracasso comercial desta obra-prima quebrou financeiramente Jacques Tati e o levou a uma profunda depressão que o acompanhou até sua morte no início da década de 80. Tati ainda realizou mais dois filmes. Entre eles, o não menos genial, Traffic. Antes deste, planejou uma colaboração com os irmãos Mael da banda Sparks, brilhantes criadores dos discos Kimono My House e Propaganda. A ficção futurista chamaria Confusion, mas não foi realizada. Sylvain Chomet, criador de As Bicicletas de Belleville, lançou em 2010 o filme de animação O Ilusionista, baseado em um roteiro não produzido por Tati, escrito no auge de sua força no período entre Mon Oncle e Playtime. O polêmico roteiro é aparentemente dedicado à sua primeira filha, abandonada durante a segunda guerra, embora a nova produção não admita isto.

No início do ano passado, recebi uma ligação comovida de Daniela Thomas que acabara de ver a restauração da cópia de 70mm de Playtime no Festival de Berlim de Cinema. Mais de quarenta anos depois, o festival justificava, intelectualmente, a condição de Jacques Tati de ver sua obra-prima projetada por equipamentos 70mm (Tati não gostava de planos fechados), parte do motivo de sua ruina. Foi ele também que educou nossos sentidos para as suas cores. O preto, o branco, o verde acizentado, o castor, a madeira, o eventual vermelho e aquele azul impossível que vi na tela, naquele dia, em Mon Oncle.