quinta-feira, 27 de maio de 2010

Pop Cult, por Felipe Hirsch, n'O Globo


No dia 22 de abril de 2010, Bernard Rhodes gritou durante o discurso que Vivienne Westwood fazia sobre o caixão pichado de Malcolm Mclaren: "Se nós não tivermos cuidado, vamos transformar Malcolm em John Lennon. E ele não era um santo." Malcolm Mclaren morreu aos 64 anos. Suas últimas palavras foram: "Libertem Leonard Peltier", referindo-se ao ativista americano preso em 1977.

Bernard Rhodes, empresário do The Clash, citado na minha faixa preferida dos Specials ("Gangsters"), era mais um dos “conspiradores”. Ao lado de Malcolm Mclaren, afirmou: "Nós não sabíamos que o Punk se espalharia tão rápido". Bernie era sociólogo, socialista. Malcolm, um conceitualista, estudante da Croydon Escola de Arte. Ao longo de seus estudos, desenvolveu sérias teorias sobre como manipular o público e a mídia e aguardou o tempo certo para colocá-las em experimentação. 

Enquanto isso, Malcolm vendia. Durante toda a sua vida, estabeleceu valor às coisas. Mesmo depois, quando Sid Vicious foi acusado de ter matado Nancy Spungen, Malcolm vendeu uma edição limitada de camisetas : "Eu estou vivo - Ela está morta - Eu sou seu". Disse, na época, que a renda era para levantar dinheiro para a defesa de Vicious. 

Conheceu Vivienne Westwood num squat imundo e perdeu a virgindade com ela. Vivienne engravidou, ele suplicou por um aborto, mas ela gastou o dinheiro da operação num Twin Set de Cashmere. Com ela, fundou a loja de roupas Let It Rock no final da Kings Road. A pequena loja de chão torto ainda existe, administrada pela poderosa marca de Vivienne Westwood, e se chama World`s End.

Em 1973, numa viagem para Nova Iorque, Malcolm passou a agenciar o brilhante New York Dolls e fornecer suas roupas para os shows. Nessa época sua loja chamava "Too Fast To Live Too Young To Die", a frase pichada no caixão de Malcolm Mclaren. Em 1975, a lojinha era especializada em roupas sadomasoquistas e se chamava Sex. A loja ainda se chamaria Seditionaires em 77, mas foi no período da loja Sex, eu imagino ao som de Pshycotic Reaction do Count Five, que um garoto de cabelo verde, vestindo uma camiseta "Eu odeio Pink Floyd", entrou. John Lydon (depois Johnny Rotten) era um deliquente anônimo, lavador de pratos. E foi levado até as mãos de Malcolm Mclaren por Bernie Rhodes."Duchamp escolheu um urinol, eu Johnny Rotten", Malcolm costumava dizer. Seu objeto “ready-made" foi aquele garoto. Malcolm sabia que tudo na juventude envolvia música. Drogas, sexo, moda.

Também aproveitou o espirito romântico dos jovens da nova esquerda proletária, apoderando-se de slogans da revolução de 68, desenvolvendo seus conhecimentos sobre Guy Debord, incentivando o espírito "Faça você mesmo" e a autoexpressão.

Malcolm queria que sua nova banda, os Sex Pistols, soassem como jovens sensuais e assassinos. Ouça "Bodies" no volume máximo e você vai entender isso.O ensaísta Greil Marcus observa que o Punk começou como uma cultura falsa. Um produto do assustador senso de moda de Malcolm Mclaren, de uma conceitual prática de manipulação de massas e também dos seus sonhos de glória. Tudo muito pensado. Coletar slogans sem reter as idéias, promover choques entre conservadores interioranos com a nova juventude, traçar linhas dividindo o velho do novo, o rico do pobre.

Porém, num país com um milhão de desempregados, castigado pelo terrorismo, pelas greves, pela violência, pela ascenção do Thatcherismo, o Punk se tornou uma cultura real, com um sentido social, com uma nova gama de signos e símbolos reveladores.

Não que Johnny Rotten se importasse com isso. Pelo contrário, ele clamou pelo direito de não trabalhar, ignorar valores como a perseverança, ambição e esperança. Replicava os grafites das paredes de Saint German em Paris: "Vida longa ao efêmero, libertem as paixões!". O Punk era a nova versão do termo “cultura de massa” negado pela Escola de Frankfurt. Era a nova versão das performances Dadaístas. O Punk se espalhou sim, rápido, para se amar, odiar ou discutir, definiu a propaganda como “insultos integrados ao dia a dia”, se fragmentou numa eclética rede de subprodutos direcionados ao futuro e também ao passado (afinal o que faziam Death ou The Stooges no início da década de setenta?)

A palavra punk no início do século passado era intimamente ligada à degeneração de valores. Mas desde a propagação do movimento na Europa, a posterior extensão para a América, a chegada ao Brasil pelas periferias ou por Brasília com seus filhos de diplomatas, nenhum dos assuntos citados acima (desemprego, terrorismo, violência, neonazismo), em nenhum lugar do mundo, parece resolvido. Ao contrário disso, por exemplo, a Inglaterra vive uma enorme recessão e sofre um possível retorno ao conservadorismo de Margaret Thatcher.

Numa de suas últimas entrevistas, para a revista Time, Malcolm Mclaren afirmou que o movimento Punk voltará com muita força. A sede de integridade é grande e não existe nobreza na cultura do karaokê de American Idols e parentes. Não existe nobreza na cultura da celebridade.

A morte de Malcolm Mclaren me fez pensar sobre como ele desenvolveria seus conceitos, de menino rebelde da escola de arte, para a nova geração? Qual é o futuro da música na internet? Música poderá ser vendida? Nesta época em que Vivienne Westwood é condecorada por Elizabeth II? Ela que, no final dos anos setenta, furava a imagem da rainha com piercings, alfinetes e tarjas

Um dos capítulos da história do Punk me levou, como peregrino, até o Free Trade Hall, em Manchester, no ano passado. Lá ocorreu o famoso show dos Sex Pistols que despertou toda uma geração de artistas. 40 pessoas estavam presentes, mas 40.000 alegam terem estado presentes naquela noite. Certamente estavam lá Howard Devoto e Pete Shelley dos Buzzcocks, os "meninos" do Joy Division, Mark Smith do The Fall, Linder Sterling do Ludus e um tímido garoto estranho chamado Steven. E reconhecido, alguns anos depois, como Morrissey. 

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